28/05: In memoriam

"Tudo o que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado."

Gandalf Mithrandir, em A Sociedade do Anel, por J. R. R. Tolkien 


Dia 28 de maio é o aniversário de morte do meu tio Duda. Ele era o tio de quem eu mais gostava, embora nunca tivéssemos sido suficientemente próximos, porque mudei-me do Recife ainda muito novo e o visitamos poucas vezes depois disso. Eu me lembro que gostava especialmente de ir à casa dele porque seus filhos tinham uma idade mais próxima à minha, e meu primo Eduardo gostava tanto de videogames e filmes quanto eu. Tio Duda tinha uma espada na sala da televisão, que era a espada de nosso avô Edwaldo Dourado, e eu achava todo o clima familiar naquele apartamento muito agradável.

Eu me lembro com exatidão do dia em que ele morreu, porque eu fui a primeira pessoa da minha casa a receber a notícia. O conselheiro dele ligou para mim e disse simplesmente: "Seu tio Eduardo morreu." Ele era americano e falava português com certa dificuldade, com um sotaque bem forte, então creio que eu não podia esperar uma sensibilidade maior que essa. Depois disso eu saí do quarto e caminhei meio desorientado até a cozinha. Minhas duas irmãs estavam conversando com minha mãe, e elas devem ter notado meu semblante, porque interromperam imediatamente a conversa ao mínimo sinal da minha voz falha. E eu disse isso: "Tio Duda morreu."

Minha mãe não acreditou. Tio Duda é o irmão mais novo do meu pai, e eles eram muito bons amigos. Tio Duda e Tia Ângela tinham nos ajudado de todas as formas possíveis, na minha infância, quando morávamos no Recife. Tio Duda era bispo de sua unidade da Igreja, em Boa Viagem, comandante e piloto da Polícia Federal e faixa preta em Karate, que praticava com dois de seus filhos, Eduardo e Marcella. De todos os irmãos Dourado, ele era o que tinha a vida mais ativa, e ninguém jamais imaginou que ele teria um infarto fulminante no tatami.

Isso foi há cinco anos. Eu já tinha 17? Engraçado, porque sempre que me lembro desse dia eu me imagino mais novo. Acredito que eu tenha me sentido mais novo. Desorientado. Eu não chorei. Eu não conseguia. Era irreal. O que mais me preocupava era a reação do meu pai. E minha mãe ligou para Alba, gerente do SESI, onde meu pai trabalhava, e disse a ela, se debulhando em lágrimas, exatamente essas palavras: "O irmão dele morreu, Alba. Duda. Você precisa dizer a ele logo. O suspense é pior." E vinte minutos depois ele chegou em casa. Eu o vi por apenas uns poucos segundos. Ele desceu do carro, e chorava muito, e isso foi o que mais machucou meu coração. Ele passou por mim sem falar, se trancou no quarto, e não saiu até que sua mente tivesse se acalmado. Nesse dia, meu amigo-irmão Eduardo estava lá em casa, e ele queria assistir a um filme conosco (era o Alice in Wonderland de Tim Burton), mas era impossível.

Acontece que isso se passou no dia 28 de maio de 2010, e ontem completaram-se cinco anos. Meu pai é a melhor pessoa do mundo para lidar com mortes depois do choque inicial, e ele veio falar comigo no chat do Facebook dizendo isso: "Hoje faz cinco anos que seu tio morreu. Veja minha postagem no Facebook." Ele gosta que nós, filhos dele, curtamos e comentemos as coisas que ele posta. Depois disso, comecei a ver os posts das minhas primas, Marcella e Mariana, e eu pude me recobrar vividamente o sentimento de desespero e a tristeza inigualável que eu tentei processar naquelas semanas que se seguiram ao fatídico dia 28 de maio de 2010... quando Karina, Marcella, Mariana e Eduardo Dourado perderam o chão, e tudo em suas vidas parecia ter perdido o significado. Eu não sei o que teria sido se fosse eu, e eu não posso dizer que me comportaria como qualquer de meus primos ou minha querida tia se comportaram e encararam tal adversidade. Meu mundo teria caído sem meu pai de fato, por um minuto, apenas vê-lo chorar daquela forma pareceu ser o fim de tudo. Havia, em toda aquela situação, uma profundidade e acúmulo de dor, mágoa e sofrimento maiores do que a minha mente e coração à época poderiam processar. Especialmente pela natureza súbita do evento. Eu não tinha vivido tudo o que eles viveram, e foi a primeira vez na vida que reconheci como essa fatalidade estava além do meu entendimento.

E ao ver as fotos daquele homem forte e saudável, autoritário e exemplar, que era o meu tio, apenas uma coisa passou pela minha mente:

"... 'Cause life is too short."


Eu tenho ouvido essa música do Scorpions vez após vez desde ontem, e de alguma forma isso me deu energia para abrir Dear God e reorganizar as ideias que eu tinha estacionado há mais de um mês. Já me sinto preparado para voltar a ele. Eu estava chateado com a dificuldade de encontrar emprego e um pouco confuso sobre como proceder com diversas coisas... Mas de repente eu tenho novamente a perspectiva cristalina do que é realmente importante. The very reason why I came here. Viver, me disciplinar, estudar, pesquisar, me preparar e escrever. Todo o resto é secundário; sempre foi. Mas eu tinha me desviado dos objetivos primários. "Escrever é o mais importante", disse-me o autor Ronaldo Correia de Brito na ocasião em que nos encontramos pessoalmente. "Escrever é o seu trabalho. O resto virá depois."

Meu tio Duda pode ter partido cedo, súbita e inesperadamente. Mas ele foi um homem exemplar em todas as esferas de sua vida, e acredito que seja seguro dizer que, dado o tempo que ele teve, conquistou o máximo que lhe era possível e que seu coração desejava. Certamente seu coração desejava mais, e sonhos e planos para o futuro da família e o crescimento dos filhos era o que não lhe faltavam... mas com o tempo que lhe foi dado, ele foi, fez e construiu o melhor possível; amante de automóveis e artes marciais, viveu intensamente a juventude praticando tudo o que amava, e casou-se e criou uma família maravilhosa, sendo pai de três jovens brilhantes e alegres: meus primos amados. Não sei se posso dizer que, até hoje, esta perda foi "superada"... mas, assim como ele, todos têm feito o melhor possível. É possível se lembrar de um homem que viveu com um sorriso de saudade, em vez de lágrimas de tristeza.

– Conte-me como ele morreu – pede o Imperador Meiji, após seu momento de iluminação política, ao descobrir a morte de Lorde Katsumoto.
– Não – responde o Capitão Nathan Algren. Primeiro, irei lhe contar como ele viveu.
Do filme O Último Samurai (The Last Samurai), de Edward Zwick

Eu tenho orgulho de ser parente de um homem como ele, especialmente sabendo a influência que teve nas escolhas e direções da vida de meu pai, que, é claro, refletiram diretamente na minha criação. Obrigado, Tio Duda, por tudo, por sua persistência, seu amor, sua amizade e seu empenho para com a Igreja, a Família e a Nação. E sobretudo, por ser um exemplo e fonte de inspiração.
 
Eduardo César Dourado partiu cedo, mas viveu bem e nunca se privou de buscar aquilo que ele desejava, sem nunca se desviar daquilo que acreditava ou esquecer aqueles que o amavam. E neste momento – sempre em momentos como este –, eu me lembro: life is too short.

Em memória de Eduardo César Dourado.

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