Quebrando as duas primeiras regras


Quando li o hit cult de Chuck Palahniuk, eu esperava encontrar todo o humor ácido, a crítica social e as épicas frases de efeito que já conhecia da exímia adaptação cinematográfica. E encontrei tudo isso, mas não apenas: logo nas primeiras páginas, eu descobri algo muito maior e inesperado.

O filme talvez tenha deixado isso implícito, mas apenas lendo o romance foi que me atingiu como um soco na boca do estômago. Chuck é um gênio, eu sabia antes da página cem.

É um gênio porque conseguiu disfarçar toda a sua indignação na metáfora de escapismo social que dá título ao livro, mas que, per se, tem pouca relevância prática. Quando assisti ao filme, achei interessante o quanto a proposta inicial do clube tinha pouco a ver com a história que ele tinha para contar – é tanto que, assim como muitos, eu esperava por um filme de ação. Diferente destes, no entanto, eu não me frustrei nem um pouco com o que descobri.

Mas o momento de realização só veio quando enfim comecei a passar avidamente as páginas amareladas daquela linda edição da LeYa. As frustrações e motivações do narrador, logo no início, nos acertam com clareza inconfundível – no estilo único do autor, que corta como navalha: enquanto eu lia na praça, um vento forte fechou o volume em minhas mãos e, quando vi novamente o título estampado no sabão, ele tinha um significado totalmente diferente:


Lutar. Resistir. A sociedade está errada. O mundo está quebrado; mas pelo mais que façamos, não podemos corrigi-lo sozinhos – ou o que aprendemos com os erros de Tyler? Como diria um famoso vampiro: “O que é um homem? Uma miserável pilha de mentiras”. Não podemos confiar em nós mesmos; quem dirá os outros?

Você acorda em um horário diferente, em um lugar diferente, por que não pode acordar uma pessoa diferente?

O clube da luta não é uma sala fechada cheia de machos suados trocando socos para extravasar seus instintos primitivos. Não. Essa é a metáfora. A ilustração. O clube da luta real é etéreo, abstrato, e habita em nós. Fazemos parte dele, cada um de nós. Cada vez que lembramos de nós, cada vez que pensamos em nós mesmos. Cada vez que cultivamos nossos sonhos e perseguimos nossos objetivos. Cada vez que tacamos o dedo do meio para a sociedade e gritamos “Estou aqui! Vem me pegar!”

E ela virá.

Porque ela é implacável, e não aceita insubordinação. Porque a luta não é entre nós. Não. A luta é contra um inimigo em comum, todos os dias; do qual nós dependemos, mas odiamos. E lutamos. Lutamos a cada vez que não abaixamos a cabeça. A cada vez que escrevemos um haicai; a cada vez que vamos trabalhar com as roupas amassadas; a cada vez que temperamos o almoço dos magnatas; a cada vez que esperamos por noites a fio diante da porta que queremos atravessar, por mais que nos digam que não somos capazes; a cada vez que repetimos silenciosamente que “o nome dele era Robert Paulson”. É lutar. É resistir. E não se deixar afogar. É um carpe diem semanal e um memento mori diário.

“E amanhã ele tomará o melhor café da manhã de sua vida.”

Se nós somos os filhos esquecidos de Deus, então que não esqueçamos de nós mesmos.

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1 comentários

  1. Parabéns pela postagem, deu pra sentir seu êxtase pela leitura, e nem sabia que o autor era gay.

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