[Resenha:] O Reino das Vozes que não se Calam

Por que não posso ser feliz?


Ao mirar a capa do novo romance de Carolina Munhóz, algumas pessoas presumem tratar-se de um lindo e reconfortante romance fantástico. Outras, de um drama juvenil comum, nada especial. Eu era dos primeiros, mas agora, depois de ler, posso afirmar que, na verdade, se trata de um pouco de cada coisa – exceto pelo “nada especial”. Se existe uma coisa que este livro tem é o potencial de ser “especial” para muitos leitores.

A própria Sophia Abrahão posa para a capa caracterizada como Sophie.

 Escrito em parceria com a modelo, atriz e cantora Sophia Abrahão, o romance segue a adolescente Sophie, uma jovem ruiva e muito magra que apresenta sintomas de depressão. Filha de um casal ordinário de classe-média, fruto de um casamento de sucesso, querida pelos pais e repleta de inseguranças quanto à vida social, seria tão próxima de uma garota normal (se normal fosse uma descrição) quanto uma pessoa depressiva pode ser. Sophie tem uma única amiga: Anna, que realmente gosta dela e sempre tenta integrá-la em seu círculo social; além disso, toca violão e é uma boa cantora, embora nunca mostre para ninguém, e leva uma vida miserável, constantemente se perguntando “Por que não posso ser feliz?

E assim Sophie vive no conformismo, mas tudo começa a dar errado quando Anna a convida para uma festa e ela acaba passando um vexame em público. Intrigada da amiga e convencida de que acaba de sofrer morte social, ela se tranca no quarto e chora até dormir. Ao acordar, porém, encontra-se num mundo mágico e colorido, voa num condor, ouve flores cantarem e conhece um povo que a adora como uma princesa no Reino das Vozes que não se calam. No entanto, ao retornar para a realidade, não tem mais certeza de que tudo não passou de um sonho.

Alternando entre a fantasia e a amarga realidade sem nunca ser cansativo (na verdade, de uma forma quase calorosa), o livro segue enquanto Sophie enfrenta mais atribulações para se reintegrar na sociedade e voltar a sentir-se bem consigo mesma, ao mesmo tempo em que se depara com problemas inesperados na dimensão alternativa que vão cada vez mais lhe trazendo tristeza, angústia e confusão em vez da tão esperada felicidade e satisfação. Conflitos com os pais e a ex-melhor amiga, a dificuldade da aceitação de si própria e do reconhecimento de seus talentos e valores, o desafio de se permitir novas amizades e a abertura do coração para talvez conhecer o amor são elementos tão bem retratados que é difícil não se identificar, mesmo que você não seja uma garota adolescente e mal resolvida com a vida.

Tais características tornam a história uma fácil nova candidata a tocar as vidas de muitas garotas (principalmente) de uma forma mais próxima do que a maioria dos livros de fantasia. Em parte talvez pela autoria nacional, que captura melhor a nossa realidade e a nossa brasilidade do que qualquer título estrangeiro; mas principalmente pelo fato de retratar tão bem a adolescência, esse período conturbado que os adultos geralmente esquecem de como é, utilizando várias imagens e até mesmo o sonho de viver num lugar perfeito… que, no fim, pode acabar não sendo tão perfeito quanto parece.

Muitas coisas boas podem nos custar decisões cruéis.

“– Eu queria fazer você feliz…
– Ninguém pode fazer outra pessoa feliz.
Nós precisamos encontrar a nossa própria felicidade.”

Além de tudo, o livro conta com algumas linhas e sacadas muito divertidas, passando por temas interessantes, como sonhos lúcidos, e tem direito a muitos momentos de autorreconhecimento (ou, no mínimo, um “Isso me lembra tanto alguém”). O trato que o texto dá a alguns elementos e criaturas fantásticas retratados no Reino são especialmente notáveis. E apesar das autoras terem optado por deixar a história sem ambientação definida, as personagens são muito verdadeiras, tanto em comportamento quanto em diálogos, com direito a gírias e uma relação verossímil com a Internet.

As autoras Carolina Munhóz (à esquerda) e Sophia Abrahão (à direita),
no lançamento do livro.

Talvez o único ponto negativo tenha sido o emprego forçado de algumas músicas na história, mas muitas ainda casam bem e se deixam tocar agradavelmente. A narrativa é, no geral, muito boa, deixando os fortes tons de rosa e amarelo da capa sempre na cabeça e, se o leitor estiver no clima, é fácil sentir-se na pele da garota adolescente, mesmo que seja um homem adulto.

Por fim, O Reino das Vozes Que Não se Calam é, acima de tudo, uma leitura prazerosa. Muito bem acabado e com direito a algumas ilustrações lindas em sua simplicidade, o livro em si é um ótimo artigo para presente e uma história simples e bonita, com uma mensagem sensível e clara de cores e sentimentos fortes e duradouros. Um toque sutil entre o real e o onírico. Bobo, talvez, para alguns; mas decididamente inesquecível.

FICHA TÉCNICA


Livro: O Reino das Vozes Que Não se Calam
Autoras: Carolina Munhóz e Sophia Abrahão
Gênero: Fantasia, Drama, Romance, Juvenil
Número de Páginas: 285

País: Brasil
Ano: 2014
Editora: Fantástica (Rocco Brasil)

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