[Resenha:] Under The Dome

            “It's a small town, son, and we all support the team.”
[Resenha escrita em setembro de 2014.]
Arte completa da primeira capa, mostrando Chester's Mill sob a redoma
e os destroçosdo avião: primeiro desastre decorrente da anormalidade.
É mais uma manhã de sábado na cidadezinha de Chester’s Mill, encravada no interior do Maine, a umas dezenas de quilômetros de Castle Rock, quando Dale Barbara, o cozinheiro do  Rosa Mosqueta, testemunha uma marmota ser cortada ao meio por absolutamente nada enquanto caminha tranquilamente por uma das estradas de acesso da cidade. Imediatamente depois, um monomotor que voava baixo colide também contra absolutamente nada, explodindo em mil pedaços numa chuva de fogo, fuselagem e partes humanas sobre o cozinheiro desavisado. Essa linda cena, descrita pelo autor como “um momento Stephen King”, é a abertura de Under The Dome, romance lançado em 2009 pelo nosso querido workaholic do terror.

Vamos deixar uma coisa bem clara, aqui: no meu dia-a-dia, eu nunca me refiro a esse livro como Sob a Redoma, porque ele demorou um pouco para chegar ao Brasil e eu passei vários meses chamando-o pelo título original. Como o romance se popularizou pelo público nacional principalmente através da adaptação televisiva, e praticamente todo mundo também chama em inglês por esse motivo (ao ponto de o livro ter sido reimpresso por aqui com o título em inglês), é assim que me referirei a ele neste texto, e não vejo nenhum problema nisso.

Under The Dome é um volume extenso, cheio de nomes e com um elenco bem grandinho. Se você lê Stephen King, sabe que ele gosta de usar alguns elementos recorrentes em suas obras: quase todas se passam, total ou parcialmente, no estado do Maine (extremo nordeste dos Estados Unidos), e aqui você verá bastante nomes como Castle Rock e Shawshank, além de uma vasta coleção de referências sociais, culturais e políticas estadunidenses, nomes e nomes e nomes de lugares, estabelecimentos e pessoas em inglês, uma linguagem crua e direta, com muita informação, algum teor sexual e bastante gore. Se você não está preparado para encarar todos esses “desafios” literários, talvez este livro não seja para você (ainda). Guarde na estante, bonitinho, vá ler Carrie, Sombras da Noite, Tripulação de Esqueletos, e passe amanhã.

Mas se você gosta de desafios e está disposto a devorar esta papelada, vamos conversar.

Gostaram da minha imitação de Stephen King? Eu aprendi bastante com ele, neste livro. Na verdade, foi a primeira coisa comprida que li dele desde que abandonei Duma Key. Diferente deste último, Under The Dome não é maçante, apesar de longo, e esse é um ponto muito positivo. A estrutura dos capítulos é interessante, dividindo-se em várias partes que, por suas vezes, se dividem em partes menores, alternando cenários e pontos de vista a todo momento da narração, o que sempre te deixa esperando pra saber o que aconteceu com aquela personagem desde a última vez que você a viu.
O gênio por trás da Redoma.
Mas first things first. Como o livro foi adaptado para a televisão com bastante sucesso, a trama talvez não lhe seja estranha: sabe aquele “absolutamente nada” que matou a marmota e destruiu o avião? Então, trata-se de um gigantesco campo de força que se materializa de repente em torno da pacata cidadezinha de Chester’s Mill, coincidindo exatamente com suas fronteiras. É uma parede invisível com estranhas propriedades magnéticas que causa infortúnios diversos desde o primeiro momento em que aparece: veículos colidem, pássaros morrem, a corrente do rio é interrompida, o tempo fica louco. Usando “a magia da narração”, o autor lhe conduz simultaneamente através de todos esses desastres, obrigando-o encarar todos os detalhes de terríveis acidentes automobilísticos, decepamentos de membros e coisas um pouco mais grotescas e fora do comum. Ao mesmo tempo, o leitor é aos poucos apresentado a uma diversificada gama de personagens, muitas das quais com os desequilíbrios psicológicos e emocionais realistas e chocantes que Steve costuma explorar. Quando a Redoma cai, porém, essas ansiedades, fraquezas e ambições se tornam mais evidentes. O isolamento expõe e testa o caráter de cada um, levando a pequena comunidade aos limites da moral e ética. Chester’s Mill se torna uma existência à parte do mundo, onde conforme as situações se agravam num passo inacreditavelmente rápido, o resto do planeta não pode fazer nada a respeito além de assistir.

Trata-se de um romance com um ritmo febril e muitas cenas marcantes, bastante realismo e descrições perturbadoras. Aqui, você conhecerá policiais, médicos, sacerdotes, jornalistas, fazendeiros, estudantes, comerciantes, vagabundos, microempresários e cães da cidade pequena; personalidades fortes, perturbadas e inocentes que se chocam em seguidos desastres e situações sem precedentes num fantástico efeito-dominó; um intenso jogo político repleto de drama, enganação, sangue, drogas, assassinato, suicídio e todo tipo de revés que você possa imaginar numa cidade com apenas algumas centenas de habitantes. E você não poderá fazer nada além de assistir (o que pode ser bem agoniante, às vezes) enquanto os habitantes aos poucos se dividem em “lados”, procurando sobreviver às inúmeras adversidades climáticas, ondas de violência, revoltas e à ilimitada ambição do segundo vereador Jim Rennie, enquanto procuram entender o que exatamente aconteceu e como sair dessa prisão, já que o auxílio das Forças Armadas e do governo se mostra totalmente ineficiente.

Em análise final, este é um livro que vale a pena ser lido, se você sabe o que está procurando. Bem construído, abordando temas diversos (desde paixão juvenil até meio ambiente, que, segundo o autor, trata-se de uma das principais alegorias do livro) e permeado de críticas ácidas à sociedade, política e, como não poderia deixar de ser, religião organizada; não é um título excepcionalmente impressionante, mas não decepciona. Com um passo impecável através de suas muitas páginas, a narrativa lhe conquista com as diversas personalidades apresentadas com considerável complexidade (e eu tenho um carinho especial pela reverenda Piper Libby), featuring o humor controverso do autor (que, em certos pontos, narra da perspectiva de animais) e a sempre crescente dúvida do porvir: no caos de Chester’s Mill, tudo é imprevisível e ninguém está realmente a salvo.

Se você gosta de suspense, drama e conflitos pessoais e políticos, encontrará uma boa dose de cada neste volume. E se gosta daquele saborzinho agridoce de lamentar a morte de uma personagem querida, ou torcer até o fim pelo sucesso ou fracasso de uma empreitada, encontrará bastante.

Por fim, se você viu e gostou da série, provavelmente gostará bastante do livro também, e um não perderá muita coisa em relação ao outro, por divergirem entre si ao ponto de proporcionar experiências bem diferentes. Isso eu digo pelo que li e conversei, já que não assisti ao seriado e não posso falar muito; mas, como romance, Under The Dome é realmente difícil de deixar de lado. Com certeza uma boa pedida para os fãs de suspense, drama e ficção científica. Ou apenas Stephen King.
Steve casualmente tomando um café no Rosa Mosqueta.
O fato é que todos nós vivemos sob a redoma. Nós temos este pequeno mundo azul que todos temos visto do espaço sideral, e parece que isso é tudo o que há.

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Livro: Under The Dome
Autor: Stephen King
Gênero: Drama, Suspense, Ficção Científica
Número de Páginas: 960

País: Estados Unidos
Ano: 2009
Editora: Suma de Letras

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