[Resenha/Recomendação:] Battle Royale

Fala, galera. Tudo bom? Devido a problemas pessoais e muita correria, ando novamente sem postar no blog e nem no canal, o que me chateia, porque eu gostaria de ter uma assiduidade maior. Mas não temam! A partir de ontem começou um feriadão pra mim, e eu vou procurar aproveitar esta semana pra produzir material suficiente pra deixar ambas as coisas andando.

Vou começar hoje dando continuidade às republicações das minhas resenhas que publicava pelo (infelizmente) falecido portal do CaririFan, e este é um dos meus livros favoritos que, recentemente, voltou a ser assunto recorrente nos meus dias: seja por tê-lo visto por aí em vídeos, por acaso, ou amigos me pedindo emprestado para ler, ou simplesmente surgindo no meio de uma conversa, uma recomendação. Assim, decidi que devia repostar aqui, pra quem ainda não leu ou não conhece, a minha resenha de Battle Royale!

Como estou voltando a ler, em breve haverá resenhas novas com certeza. Por enquanto, fiquem com esta aqui. Valeu!~~

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Uma turma de estudantes do ensino fundamental pensa estar indo numa excursão, mas adormecem durante a viagem e, quando despertam, se encontram numa realidade terrível: presos numa ilha deserta e isolada, são equipados ao acaso com as mais diversas armas – de metralhadoras a facas de cozinha – e forçados a lutar entre si até que haja apenas um sobrevivente. Esse é o mote de Battle Royale, obra única do japonês Koushun Takami que, publicada em 1999, tem hoje o status de clássico Cult.

O livro se passa numa linha temporal alternativa, na qual o Japão, então chamado República da Grande Ásia Oriental, é um regime totalitarista distópico governado por um Líder Supremo, uma entidade distante e misteriosa cuja vontade é absoluta e sempre se faz saber através dos veículos de comunicação em massa. O país é totalmente isolado do exterior, os Estados Unidos são vistos como inimigos da pátria, os veículos de comunicação e entretenimento são altamente censurados e até formas de música como o rock são mal vistas, por “incitar a revolta”. É nesse cenário deprimente que a turma da Escola de Ensino Fundamental Shiroiwa se encontra abruptamente atirada no que o governo chama simplesmente de “o Programa”, supostamente uma forma de pesquisa militar com objetivos patrióticos.

O livro abre com um breve discurso de um fã de luta livre numa “dimensão alternativa” (talvez a nossa), explicando o significado do título: Battle Royale é uma referência a um tipo de combate em que muitas pessoas se confrontam até que sobre apenas uma. Não necessariamente até a morte.

O que não é o caso.

O leitor é apresentado ao mundo através dos olhos de Shuya Nanahara, o estudante nº 15, um órfão que toca guitarra. No primeiro capítulo, ele apresenta brevemente a maior parte de sua turma, composta por 21 rapazes e 21 garotas. Porém, conforme a história avança, o narrador alterna livremente entre as perspectivas de diversos personagens.

O estilo narrativo frenético, com capítulos curtos, e a constante alternação de perspectivas são pontos altamente positivos no texto, que mantêm o leitor sempre ansioso pela próxima curva. A história já começa com um ritmo instigante, que só ganha um passo cada vez mais apressado e violento com o desdobramento dos fatos. Com tempo e algumas páginas, você logo perceberá que não adianta torcer por ninguém. O final de cada capítulo traz sempre a ominosa contagem de mortes:

[RESTAM XX ESTUDANTES]

Você provavelmente não conseguirá torcer por ninguém, a propósito (a não ser, talvez, pelo óbvio protagonista). Os pontos de vista alternados confabulam sem tropeços com o desenrolar da trama, flashbacks das personagens e seus pensamentos, sentimentos e impressões, o que confere uma profundidade incrível ao elenco relativamente extenso que é apresentado ao leitor todo de uma vez, de forma que muitas vezes se torna fácil se identificar com personalidades e atitudes, tanto quanto compreender determinados comportamentos e reações extremas que seriam impensáveis em condições normais.

Agravado por diversas condições que impedem os participantes de não se matarem (incluindo uma coleira explosiva para o caso de quebrarem regras), o jogo de sobrevivência rapidamente toma proporções extremamente violentas, a despeito da vontade da maioria de não matar os colegas com quem estudaram durante anos. O instinto de sobrevivência, porém, talvez seja mais forte.
Promocional da Globo Livros para o (tardio) lançamento brasileiro.
Um ponto talvez confuso na obra seja a quantidade extensa de nomes japoneses com os quais o leitor precisa se acostumar muito rapidamente, o que pode acabar por deixá-lo perdido em certas situações, caso não seja acostumado; mas a (caprichosa) edição brasileira (tradução do japonês de Jefferson José Teixeira, Globo Livros) traz uma lista com os nomes dos estudantes (que eu consultava o tempo todo), além de um mapa da ilha, apropriadamente dividido em quadrantes que, um a um, vão sendo proibidos aos participantes ao longo do tempo.

Battle Royale é um conto cru e visceral sobre a natureza humana e várias de suas facetas: da mais cruel, instintiva e sanguinária, ao tipo de amor e compaixão que levam alguém a se sacrificar pelo próximo. Sem poupar o leitor da violência e da crueldade real na qual se encontram os quarenta e dois estudantes da Escola de Ensino Fundamental Shiroiwa, o autor o conduzirá por dentro dos pensamentos de dezenas de diferentes personagens, mostrando as paixões, preocupações e motivações que os levam a tomar tais atitudes, enquanto provê uma descrição sem igual do cenário grotesco no qual eles lutam por suas vidas e contra ou a favor das vidas daqueles que amam, ou com quem apenas aprenderam a conviver durante suas vidas escolares.

Cheio de reviravoltas, segredos, mistérios, questionamentos político-sociais e cenas brutais, o romance obtém sucesso em chocar o leitor, prendendo e surpreendendo do início ao fim, além de levá-lo a diversas reflexões. O realismo é capaz inclusive de questioná-lo sobre sua própria moral e ética: o que você faria? Será que você pode realmente confiar nas pessoas com quem convive todos os dias?


À esquerda, o promocional do filme de Kinji Fukusaku (2000), descrito como "uma encruzilhada entre Laranja Mecânica e O Senhor das Moscas", sucesso de público e crítica internacional. À direita, página dupla do mangá (também de 2000), escrito pelo próprio Takami e ilustrado por Taguchi Masayuki, exibindo todos os participantes do Programa. Ambas as adaptações obviamente diferem do livro em pontos bem distintos, sendo o mangá mais fiel, apenas com a ordem de algumas revelações e eventos invertida e um apelo sexual notavelmente maior. O mangá figura na demografia japonesa seinen. Já o filme, eu, pessoalmente, não recomendo (se você puder/preferir ler o livro ou o mangá).
Dispenso elogios à complexidade deste best-seller controverso que, apesar de comparado a diversas obras, anteriores e posteriores (Os Condenados, Gantz, The World Ends With You e, mais recentemente, Jogos Vorazes), é diferente de tudo o que você já tenha visto ou possa esperar, e de forma alguma é superficial. O livro, que Stephen King chama de “uma pulp riff insanamente divertida [...] ou talvez só insana”, já foi citado como influência para cineastas como Quentin Tarantino (“É um filme que eu sempre quis fazer”) e desencadeou duas adaptações cinematográficas pelo renomado diretor japonês Kinji Fukusaku, e uma em mangá, roteirizada pelo próprio autor.

Na dedicatória, Koushun Takami escreve: “Dedico este livro a todas as pessoas que amo. Embora duvide que elas me agradeçam por isso.

Sinceramente, se você tem disposição (e estômago) para encarar as quase 700 páginas desta obra-prima da literatura mundial, certamente é um título que não se deve deixar de lado.


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Livro: Battle Royale
Autor: Koushun Takami
Gênero: Thriller, Ação, Drama, Ficção Científica
Número de Páginas: 664

País: Japão
Ano: 1999
Editora: Globo Livros

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