Era final
de expediente, o chefe tinha saído e o movimento estava baixo, então estávamos
sentados na calçada pegando um ar enquanto não chegava nenhum cliente.
Estourara a meia-noite e eu só pensava em botar as mesas para dentro e voltar
pra casa, mas tinha que esperar Ricardo chegar.
Eu não
falei nada sobre o cigarro, mas como que a minha curiosidade fosse genuína, ele
falou mesmo assim, atravessando o não-silêncio constante da madrugada:
– Eu não
gosto de cigarros, sabe? Odeio fumar.
– E por que
fuma? – perguntei, mas sem me dar ao trabalho de olhar para ele. Eu sabia que
ele também não estava olhando para mim. Era assim que as conversas funcionavam
por ali.
Ele riu. Heh! Aquela risada dele,
eu nunca sabia se era riso mesmo ou deboche. Então, a resposta: – Influências,
cara! ... Influências.
Eu franzi a
testa para a praça movimentada do outro lado. Não o imaginava andando com
pessoas que se pudessem considerar uma "má influência" para ele. Ele
era um cara simples, pé no chão, mas nunca foi bobo. Se aquele sujeito já tinha
colocado qualquer tipo de droga para dentro do organismo, fora por iniciativa
própria.
Eu não
questionei, mas a pergunta pairava no ar como música. A música do Guns 'n Roses
que estivera tocando até uns vinte minutos antes, quando o DVD chegou ao fim. A
lanchonete estava em silêncio, mas na realidade, ali, a música nunca parava.
Mesmo agora, no silêncio do final de expediente, havia rock em notas caladas
entre as paredes coloridas. E a pergunta pairou no ar como o solo de November Rain, que lhe
arrancava um sorriso saudoso, e ele a ouviu.
– Slash,
cara – ele puxou outro cigarro do bolso, mas ficou só olhando. Agora eu olhava
para ele, e ele sorria. Era um sorriso honesto, o tipo de sorriso que me fazia
gostar das pessoas, e que ele exibia constantemente. – Esse cara me influenciou
demais, tu sabe, eu te disse. Essa música, cara... eu sei que tu não é fã e
tal, mas eu sei que tu entende. É porque não é da tua geração.
Mas ele estava certo. Eu entendia. O fato de eu não ser fã de Guns 'n Roses não significava que eu não entendesse.
Mas ele estava certo. Eu entendia. O fato de eu não ser fã de Guns 'n Roses não significava que eu não entendesse.
– A
guitarra, a música... – ele continuou. – Nem tanto pelo Axl, mas pelo Slash,
sabe? Foi por causa dele que eu trilhei esse caminho. – O caminho de um músico
amador realmente apaixonado pela arte; sem firulas, sem máscaras, sem pseudointelectualidade.
– Mas para o bem ou para o mal, né...? Às vezes a gente não sabe. Fosse pela
música, ou fosse por isto aqui – ele me mostrou o cigarro, e depois voltou a
guardá-lo –; não foi porque eu quis, mas era a influência. Quando eu via aquele
cara, com aquele cabelão, e aquela cartola, todo estilo, e o cigarrinho na
boca... era influência, mano. A gente faz besteira, a gente não escolhe.
Eu sabia
que a gente escolhia, mas eu entendia o sentido das palavras dele.
Voltei a
olhar para a rua. Ele também. Houve mais silêncio entre uma nota e outra. E
nossa terceira colega saiu da cozinha para se juntar a nós na calçada.
– Cadê
Ricardo? – perguntou. O silêncio era uma boa resposta. Ela olhou para mim e
sorriu, com aquele olhar de ressaca de sempre. Sentou-se ao lado dele e pôs-se
a reclamar de alguma coisa qualquer da noite. Eu ouvia calado; ele ria
conforme. Ela ria também. Havia alegria no trabalho, tanto quanto música nas
paredes. Havia atmosfera na noite, sempre aquela boa atmosfera do final do
expediente. Eu queria aproveitar mais antes de voltar para casa.
Ela parou
de falar enquanto os risos morriam juntos. O último sweep do solo no sereno da madrugada. Sem tornar o olhar para ele,
ela perguntou:
– Tem um
cigarro?
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