Livro-artefato

Hoje um aluno do segundo ano levou para a escola um livro velho e surrado de páginas amarelas. Era um livro didático. Foi a primeira vez que vi em primeira mão um livro da época em que as capas eram impressas no mesmo papel que o resto da edição.

Na diagramação da capa, muito bem centralizada e exageradamente cheia de texto para os padrões de hoje em dia, lia-se:


FILGUEIRA SAMPAIO

Diretor do INSTITUTO VALDEMAR FALCÃO de Fortaleza, sócio
militante da Associação Cearense de Imprensa e Presidente do Conselho Superior
do Clube dos Professores do Ceará


E o título do livro:

MEUS DEVERES
(EDIÇÃO ESPECIAL PARA OS ESTADOS DO NORDESTE)

Exercícios e Testes de
Português
Aritmética
Geografia
História do Brasil 
Conhecimentos Gerais
e
Doutrina Cristã

Além das letras miúdas no rodapé, a capa continha o selo e nome completo da Editora do Brasil S/A. Mas foi quando eu vi o ano gravado na capa que meu corpo meio que estremeceu.

1964

Eu sabia que tinha em mãos um livro muito velho. Mas só então me dei conta do objeto histórico de que se tratava. E veio aquela estranheza, aquele choque, aquela consciência de que eu tinha em mãos um artefato cujo significado da existência se alastrava pela História deste país e das vidas das pessoas muito além do que eu poderia sequer começar a imaginar. E lá estava ele, suficientemente preservado para novamente encontrar seu caminho de volta às mãos de um professor.

Perguntei ao aluno se o livro pertencia ao pai dele. Ele disse que era da avó.

Eu sabia que ele jamais entenderia a emoção que me permitira naquele momento. Mas talvez um dia ele cresça para entender, se daqui a dez anos esse livro ainda existir.

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