Crônica II

Os velhos ventiladores de teto rangiam, eternamente ameaçando cair sobre as cabeças dos desafortunados. Enquanto a voz autoritária do homem prosseguia seu discurso opressivo maquiado de cuidado, o rapaz atreveu-se a erguer o olhar para escrutinar os demais presentes. O que viu foi que todos os outros também mantinham um olhar baixo ou distante. Perguntou-se o que aquilo significava.

As palavras ríspidas do homem de repente ganharam uma ênfase quando ele se dirigiu à moça magra sentada junto à porta. O rapaz concentrou-se nela. Desde que chegara ao Instituto, lembrava-se de tê-la visto algumas vezes aqui e ali, e trocado com ela poucas palavras de valor estritamente profissional. Nunca pensara muito a respeito, mas achava que ela já era calejada naquele ramo.

Achara errado.

A atmosfera era sufocante na sala parcamente iluminada. Enquanto o homem seguia com a fala violenta, quase de caráter militar (não fossem as palavras esdrúxulas), a moça magra parecia cada vez menor em sua poltrona. O rapaz mordeu a língua e permitiu que a garganta ficasse entalada por uma vez. Não podia falar nada. A ninguém. Era ainda cedo demais para deixar de ser profissional — mesmo que aquilo fosse contra tudo que ele acreditava.

Quando o homem finalmente terminou de se dirigir à moça magra e finalmente passou para outros assuntos de ordem geral, caminhou pela sala e passou entre o rapaz e a moça. No momento seguinte, o rapaz notou os olhos dela fixos nos seus. Então, finalmente, pela primeira vez entre os dois praticamente estranhos, houve um momento de identificação. Um breve e infinito momento de cumplicidade. E, antes que o momento passasse, o garoto decidiu que não era risco demais tentar uma comunicação.

... E ergueu as sobrancelhas.

A moça magra ergueu de volta. E, silenciosamente, ambos voltaram a tornar as atenções para o rígido discursante.

[...]

O rapaz sabia que nunca poderia compartilhar aquele sentimento com ninguém. Nem mesmo com a moça magra cujo nome ainda desconhecia. Era tudo muito complexo. Portanto, assim que se viu livre, tomou seu caminho para as poucas horas que deveria aproveitar antes de retomar o chamado do dever.

Foi quando uma voz feminina surpreendeu-o, chamando-o detrás:

— Ei! — Era a moça magra. Ela apertou o passo para poder caminhar ao lado dele. Então, meio que sem jeito, ela esboçou uma pergunta que provavelmente fora bem difícil de por pra fora: — Você... concorda com isso?

O rapaz sabia que a resposta errada dita da forma errada à pessoa errada lhe poderia custar mais do que ele suportaria perder. Era um momento frágil que demandava cuidado felino. Porém, foi o tom de voz dela que o fez perceber, e sorrir, e sentir-se seguro o suficiente para responder com naturalidade:

— Não.

Os ouvidos já estavam distantes o bastante para que a dupla pudesse discutir francamente. A tréplica da moça foi uma expressão mista de alegria e frustração.

— E você ainda não viu nada! — ela alertou-o, em tom de indignação.

Então ele soube que aquele breve momento de cumplicidade acabava de se transformar em confiança.

You Might Also Like

0 comentários